quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A cara e a coroa - herança dos militares tem altos e baixos

A ditadura parece uma página virada da história brasileira. Mas não é. O regime militar provocou mudanças que ainda hoje fazem toda diferença na nossa vida.
É difícil apontar uma área da vida brasileira que não tenha sofrido influência dos governos militares. Mas em alguns setores as pegadas do período estão mais claras como dívida externa, política de terras e distribuição de renda.
Todo balanço da ditadura acaba sendo negativo - afinal, foram anos de repressão e violência em que a vontade dos governados contou menos que a dos governantes. Mas já é possível admitir a existência de ações positivas em algumas frentes.

Dívida e crescimento

Durante o regime militar a economia brasileira saiu da posição de 50ª lugar para figurar entre as dez mais ricas do mundo. Durante o milagre econômico (1968-73) a produção industrial crescia com rapidez e o número de empregos ia às alturas. Depois veio a desaceleração, em que o PIB cresceu "só" 7,1% ao ano, uma taxa altíssima para os dias de hoje. Mas por trás das boas notícias crescia uma dívida externa que, na década de 1980, tornar-se-ia impagável.
Pela lógica dos militares - e dos civis que compunham o governo - a única maneira de crescer era endividando-se em dólares. Mas em poucos anos a conta negativa explodiu. Em 1970 a dívida era de 5,3 bilhões de dólares e dez anos depois já era de 53,8 bilhões.
Mas não seria possível pensar e agir de outra forma ? Desde que não houvesse pressa nem megalomania, sim. O problema é que a busca de legitimidade dos governos militares fez com eles buscassem o crescimento econômico a qualquer custo: quem apoiaria uma ditadura que não produzisse crescimento ?

País rico, povo pobre

Em 1985, os 20% mais ricos ficavam com quase 70% da riqueza do país, enquanto antes de 1964 recebiam 55%. Antes da ditadura, quem recebia salário mínimo precisava trabalhar pouco mais de 98 horas para comprar sua cesta básica. Em 1983 eram necessárias mais de 172 horas.
Mas para Jarbas Passarinho, o crescimento econômico não pode ser desprezado. Em 1975 ele declarou: o Paraguai tem um salário mínimo maior do que o nosso. É mais rico por isso ?

Obras faraônicas

Para quadruplicar o PIB brasileiro, os governos militares tiveram de investir pesado em construção civil e produção energética. A palavra de ordem era: integrar o país e torná-lo autônomo em abastecimento de energia. Na prática, os militares optaram por empregar milhões de dólares em projetos faraônicos, a exemplo da usina hidrelétrica de Itaipu, o programa nuclear de Angra dos Reis, a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica.
Em alguns pontos, a estratégia deu certo. Apenas na década de 1970, o Brasil aumentou sua produção de energia elétrica em 212%. Em outros, o resultado foi lamentável: os investimentos nucleares resultaram em duas usinas que até hoje têm pouca serventia e a Transamazônica parece um lamaçal ligando o nada a lugar nenhum.

Carros e empregos

É verdade que a paixão pelas quatro rodas explodiu no Brasil com Juscelino Kubitschek (1955-1960), mas a ditadura foi fundamental para que a indústria automobilística se consagrasse no país como o mais importante setor. A produção de carros e caminhões, que em 1964 não ultrapassava a casa das 200 mil unidades, chegou em 1980 à invejável marca de 1 milhão e 165 mil veículos produzidos. O Brasil se gabava de ter o oitavo parque industrial do ramo no mundo.
Em relação à oferta de emprego, as vantagens foram sensíveis: em 1983, quase 10 milhões de pessoas estavam engajadas nas atividades direta e indiretamente relacionadas à indústria dos automóveis - como produção de parafusos, usinagem de peças e fabricação de estofamentos. Em três décadas, o Brasil passou de importador a exportador de automóveis.

Álcool no tanque

Em 1973, os militares criaram o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Quando conflitos no Oriente Médio fizeram o preço do produto disparar, o país importava 80% do combustível que consumia. Em pouco tempo, o Brasil começaria a produzir carros movidos a energia vegetal. "É uma tecnologia genuinamente brasileira", diz Marcos Fava Neves, professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP): "o Brasil foi o pioneiro na produção de automóveis a álcool em larga escala no mundo."
Dez anos depois do início do programa, os carros a álcool representavam 90% do mercado e poupavam ao país o consumo de 120 mil barris de petróleo por dia. Seu desempenho aos poucos alcançou o dos motores a gasolina. Hoje, os efeitos do Proálcool se fazem sentir. O país produz aproximadamente 400 milhões de toneladas de cana anuais. Até 1994, essa produção não passava de 240 milhões. "Pensando no papel dos militares e no agronegócio, o Proálcool foi a melhor coisa que fizeram", afirma Fava Neves.

Terra para poucos

A política de terras da ditadura teve impacto negativo no que se refere ao assentamento de camponeses. Ao tomarem o poder, os militares fizeram de tudo para jogar água fria nos debates sobre a reforma agrária, em alta com as promessas do presidente João Goulart. Ao longo dos anos 70, a política do governo foi tentar distribuir o excedente de mão-de-obra rural ao longo das rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Cuiabá-Porto Velho, criando novas fronteiras agrícolas. Ou seja, levar gente do Sul, Sudeste e Nordeste para o Norte.
Na década de 80, ficou claro o fracasso dessa política. As distâncias quase continentais entre as regiões de produção e o grande mercado consumidor próximo ao litoral implicaram custos elevados de transporte, que inviabilizaram os projetos.
Enquanto isso, o governo procurou fortalecer as produções de grande capital e de exportação no Sul. O governo optou por apoiar a expansão da agricultura para exportação, como a da soja e levar os camponeses mais frágeis, que ficariam sem trabalho para o Norte pelo sistema de colonização. Quando o programa se desmantelou, os sem-terra se articularam para lutar pela reforma agrária.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nasce da contradição dessa política do governo pois foi expulso do Sul e Sudeste um batalhão de trabalhadores que, depois de falir no Norte e no Nordeste, retornou à área de origem e passou a lutar por terras.

Um executivo espaçoso

Durante o regime militar, foi o poder Executivo quem ditou as regras do jogo. Em 21 anos de ditadura, baixou 17 Atos Institucionais e mais de 2 mil decretos-leis. Eram leis que surgiam da vontade do presidente, trancavam os trabalhos do Congresso até serem votadas ou eram simplesmente aprovadas porque tinha vencido o prazo para que fossem discutidas. A força do Executivo esmagava os outros poderes essenciais ao funcionamento da democracia: o Judiciário e o Legislativo.
Depois do fim da ditadura, os decretos-leis chegaram a ser tratados pela oposição como "entulhos" do autoritarismo. Mesmo assim, acabaram sendo reintroduzidos, com leves modificações, na Constituição de 1988 - agora com o nome de Medida Provisória.
O problema é que ela acabou sendo mal regulamentada e hoje é usada para qualquer finalidade. Devem existir leis de emergência, como o decreto-lei e a Medida Provisória, mas elas têm de realmente apresentar caráter de necessidade e urgência para a sociedade.
Mas os presidentes que vieram depois da ditadura usaram e abusaram das Medidas Provisórias. Até 2005, a média de MPs foi superior a cinco por mês. E, com freqüência, elas tratam de assuntos secundários ou sem urgência, como reajustes salariais de servidores públicos.

Canudos privatizados

Preocupados em fornecer especialistas para a industrialização, os governos militares inauguraram o sistema de pós-graduação em 1969, não tardando para formarem o primeiro pelotão de acadêmicos. Em 1970 e 1971, 2683 alunos concluíam o mestrado e apenas 87 terminavam o doutoramento; dez anos depois, 20744 mestres e 1 697 doutores saíam das universidades. A implantação e consolidação da pós-graduação teve um impacto importante no desenvolvimento da pesquisa em nosso país.
Ao longo dos anos, no entanto, a ditadura significou o sucateamento das universidades públicas. Haveria três razões para isso. A primeira é a própria dívida externa, que reduziu drasticamente a capacidade de investimento do governo, afetando o financiamento das universidades públicas. Segundo, alterações constitucionais do regime desobrigaram a União a destinar anualmente o mínimo de 10% dos impostos para a educação, como previa a Constituição de 1946. Assim, os recursos federais foram caindo, até que, num dos anos do governo Geisel, o orçamento do MEC ficou reduzido a apenas 4,6% do orçamento federal.
O terceiro motivo para o sucateamento decorreria da política educacional global, que estimulou a criação de instituições privadas. Na prática, houve privatização do ensino superior.

Fonte: Ditadura no Brasil- Número especial de Aventuras na História, Abril Cultural (adaptado)

Responda.
1. O que quer dizer a frase: "a busca de legitimidade dos governos militares fez com eles buscassem o crescimento econômico a qualquer custo"
2. Qual a importância do Pró-álcool ?
3. Quais as vantagens e desvantagens das obras construídas durante a ditadura ?
4. Explique a política de terras dos governos militares.
5. Segundo o texto, porque o MST origina-se da política de terras dos governos militares ?
6. Por que as medidas provisórias são um problema ?

Pesquise.
1. Como se distribui a renda hoje, no Brasil ? Faça um comparativo com outros países.
2. Qual país mais exporta automóveis hoje ? E importa ?
3. Que problemas a plantação de cana para produção de álcool provoca hoje ?
4. Como se dá a distribuição de terras hoje no Brasil ? Faça um comparativo com outros países.
5. Qual a porcentagem de universitários estuda em universidades públicas hoje ? E em universidades privadas ?